from Beyond the Wall
Translated from the Portuguese by Thérèse Bachand, Maria do Carmo Zanini and Odile Cisneros.
Arte
É o relevo das luzes de uma torre
no dia seguinte
é o mendigo que, mão aberta, não pede esmola
é um MSF – menino sem futuro –
amarrado no obelisco
depois de roubar um mendigo
é um faquir com fobia de pregos
é a antena da mosca furando um pneu
de um Simca Chambord, vermelho,
num velho anúncio realista
é uma poltrona bubble chair sobre a faixa amarela
da estrada
é um cartaz vintage da atriz Hedy Lamarr em Êxtase
é um fantoche da Guerra Fria com um tumbleweed alojado na cabeça
é um soldado da ajuda humanitária
muçulmanas más sem nicabes
é um imigrante boliviano demolindo
a marretadas
as vigas de um edifício
é também um sociólogo de binóculo, num navio,
disfarçando a cegueira
é um relógio sobre uma lápide
um escravo
orelha roxa, passos lentos
foge da fazenda Bom Retiro
é o conflito econômico progressista
um foie gras de pato selvagem
é um colchão com lençol largado na calçada
é um menino negro que passa, apressado,
pela calçada da porta da igreja do Pari,
camiseta regata do Spurs,
de repente se lembra faz o sinal da cruz
é um enfestador fuzilado por um garoto
num ponto de ônibus à tarde
é um rolo de fio elétrico amarrado ao pé de um poste
um casal se pega, de dia, sob o luminoso Star India
desligado
é um camelo pronunciando palavras assassinas
é um cara algemado, disparando contra a própria cabeça
é um artista se entregando à polícia
Art
Itʼs the bas relief of tower lights
the day after
itʼs the beggar, open-handed,
not begging
itʼs a BWF – boy without future –
tied to the obelisk
after ripping off a bum
itʼs a faqir with a phobia of nails
itʼs a flyʼs antenna piercing the tire
of a snazzy red Simca
in a lifelike vintage ad
itʼs a bubble chair on the yellow line
of the road
itʼs a vintage poster of actress Hedy Lamarr
in Ecstasy
Itʼs a puppet from the Cold War with a tumbleweed lodged in its head
itʼs a soldier from humanitarian aid
an incomplete Muslim without a niqab
itʼs a Bolivian immigrant demolishing,
with a sledgehammer,
the beams of an edifice
itʼs a binoculared sociologist, shipbound,
concealing his blindness
itʼs a watch on a gravestone
itʼs a slave,
purple-eared, unhurried,
fleeing a plantation turned B&B
itʼs the progressive economic conflict
a wild duckʼs foie gras
itʼs a mattress, with a sheet, dropped on the sidewalk
itʼs a black boy passing, rushed,
the doors of an imposing church
in a Spurs tank top,
suddenly remembering to cross himself
itʼs a swindler shot by a boy
at a bus stop one afternoon
itʼs a reel of electric cable tied to the foot of a post
a couple making out in daylight, under the burnt-out
Star India sign
itʼs a camel pronouncing an assassination
itʼs a handcuffed man, firing at his own head
itʼs an artist surrendering to the police
Translated from the Portuguese by Thérèse Bachand and Maria do Carmo Zanini
A Nova Utopia
A nova utopia é uma borboleta negra, desatenta, com olhos exuberantes. A nova utopia é a favor da proteção implacável dos animais. A nova utopia é inclusiva, participativa. A nova utopia é o coro afinado dos descontentes. É um ex-guerrilheiro, de porte avantajado, homem forte do governo. A nova utopia tem informações privilegiadas, disponíveis. É um ex-leproso. A nova utopia rechaça a figura de Nossa Senhora se masturbando. A nova utopia defende os direitos das trabalhadoras do sexo. A nova utopia comunga, com moderação, ideais materialistas. A nova utopia morre de pé. É, ao mesmo tempo, um duty free e um detox financeiro. A nova utopia é nosso dever como cidadãos. A nova utopia exalta a sustentabilidade das empresas. A nova utopia sabe que se pode ser árabe e muçulmano, árabe e não muçulmano, muçulmano sem ser árabe. Negro sem ser branco, branco sem ser negro. A nova utopia é a liberdade de expressão do Le Monde, reassegurada desde sempre. A nova utopia é um ajuste de contas contra o obscurantismo dos outros. A nova utopia rejeita factoides politicamente úteis. A nova utopia é um pouco xiita, apenas quando estritamente inevitável. É um turista americano visitando o Museu Abu Ghraib. A nova utopia tem logo e slogan. Condena chacinas na periferia. A nova utopia emite notas de repúdio, lança abaixo- assinados; defende o grafite; a nova utopia prega a bicicleta. A nova utopia é o respeito incondicional ao nanismo. Condena corruptos. É um ex-ladrão. Tem seu próprio dicionário. Pensa antes de agir. Repele palavras e pede ação. A nova utopia é um ex-coxo. É a asa aberta do voo. É um showroom de exuberâncias naturais. É um céu com nuvens negras, sob controle. É uma estante de livros num banheiro. É a viúva de Jorge Luis Borges detalhando seu processo de criação. A nova utopia é um ex-macumbeiro, um ex-bêbado, é um ex-exu sujo. É um branco de alma preta. A nova utopia é ainda o indígena de tocheiro, fazendo política, diariamente, nas redes sociais. A nova utopia é uma ex-esteticista de unhas postiças. É um espião trans pegando sol num roteador. É um ex-selvagem. É uma ex-vadia. É um ex-puto. É uma entendida. É um ex-pária. É uma miríade de franquias de poetas premiados. É um poema à altura de seu tempo.
The New Utopia
The new utopia is a black butterfly, inattentive, with lush eyes. The new utopia is in favor of the ruthless protection of animals. The new utopia is inclusionary, participatory. The new utopia is a tuned chorus of discontent. Is a burly ex guerrilla, a government strongman. The new utopia has insider information available. It is an ex leprosy patient. The new utopia rejects the figure of Our Lady masturbating. The new utopia fights for the rights of sex work service providers. The new utopia shares, in moderation, materialistic ideals. The new utopia dies standing. It sells both duty-free items and financial detox. The new utopia is our civic duty. The new utopia praises corporate sustainability. The new utopia knows you can be an Arab and a Muslim, an Arab and not a Muslim, a Muslim and not an Arab. You can be Black without being White, White without being Black. The new utopia is Le Monde’s freedom of expression enshrined forever. The new utopia is a reckoning against the obscurantism of others. The new utopia rejects politically expedient factoids. The new utopia is a bit Shiite, only when strictly unavoidable. Is an American tourist visiting the Abu Ghraib Museum. The new utopia has logos and slogans. Denounces killings in poor neighborhoods. The new utopia condemns actions, circulates petitions; it champions graffiti; the new utopia advocates bikes. The new utopia is unconditional respect for underachievers. Condemns corrupt leaders. Is an ex crook. It uses its own dictionary. Looks before it leaps. Rejects words and calls for action. The new utopia is an ex amputee. Is an open wing in flight. Is a showroom of natural lushness. Is a sky with dark clouds under control. Is a bookcase in a bathroom. Is the widow of Jorge Luis Borges explaining his creative process. The new utopia is an ex macumba devotee, an ex drunk, an ex Exu punk. Is a whitie with a Black soul. The new utopia is also the torch-bearing Native politicking daily on social networks. The new utopia is an ex beautician with nail extensions. Is a trans spy catching some sun on a router. Is an ex savage. Is an ex bitch. Is an ex hustler. Is a lesbian. Is an ex pariah. Is a myriad of prize-winning poet franchises. Is a poem in tune with the times.
Translated from the Portuguese by Odile Cisneros.
Poema Negativo
Um poema negativo é o que se paga bônus
sem vender livros
respira por aparelhos críticos
abusa da base aliada
de dia todos os gatos são pardos
O poema negativo denuncia a barbárie
Um poema negativo
se ajusta bem ao vago
é o próprio status quo
O poema negativo tem dobras de veludo,
asas plissadas
e pele de cobra
Um poema negativo se masturba
sob o sol das dunas
O poema negativo vasculha a favela
com os cães de Le Spleen de Paris
de Charles Baudelaire
Um poema negativo
desvia bens do lixo
é a máquina amiga
é a farsa, bem paga, do atrito
Negative Poem
A negative poem is one you have to pay extra for
without selling any books
it breathes through a critical apparatus
it abuses its allied base
all cats are grey in the day
A negative poem denounces barbarism
A negative poem
fits in well with what is vague
it’s the status quo itself
A negative poem has velvet folds,
pleated wings
and skin like cobra
A negative poem masturbates
under the sun in the dunes
A negative poem searches the favela
with the dogs from Le Spleen de Paris
by Charles Baudelaire
A negative poem
diverts goods from trash
it’s a pleasing machine
it’s the well-paid farce of friction
Translated from the Portuguese by Thérèse Bachand.
Paris, Barcelona
Um mendigo
sob o anúncio do Crédito Mútuo
deitado, quieto
como uma flor de túmulo
As bocetas depiladas
no museu
Le Penseur empalidece
diante das curvas da croata sexy
Dois mendigos
um em Saint-Paul, outro em Saint-Louis
cada um reza à sua maneira
Agora na porta
de Santa Maria del Mar
exagera
nos gestos de frio
Passeig de Gràcia
encostada na parede da Burberry
pernas estiradas
sob o sol do outono
dorme com a mão aberta
si has de triar, tria-ho tot
Na Regia, o aroma de um novo Chanel
de um Bandit, uma bota Panters rasgada
na vitrine
Outra
na porta da Lacoste
cospe nas paredes
tu què faries?
Paris, Barcelona
A beggar
beneath a Mutual Credit advertisement
lies quietly
as a grave flower
Shaved pussies
at the museum
Le Penseur pales
before the curvy, sexy Croatian girl
Two beggars
one in Saint-Paul, another in Saint-Louis
each praying in his own way
Now by the door
of Santa Maria del Mar
exaggerating
gestures of cold
Passeig de Gràcia
leaned against the wall at Burberryʼs
stretched legs
under the autumn sun
sleeping with an open hand
if you have to choose, choose everything
At the Regia, the scent of a new Chanel
of a Bandit, a torn Pantersʼ boot
in the window
Another one
by Lacosteʼs door
spits on the walls
what you would do?
Translated from the Portuguese by Thérèse Bachand and Maria do Carmo Zanini.
Régis Bonvicino (São Paulo, 1955) is a Brazilian poet, translator, literary critic and editor. He has published over twelve collections of poetry in his own country, as well as anthologies, and poetry for children. He is the editor of Sibila. In English, his work has appeared in Sky-Eclipse: Selected Poems (Green Integer, 2000), and Beyond the Wall: New Selected Poems (Green Integer, 2016).
Long involved in the experimental literary scene in Los Angeles, Thérèse Bachand’s first collection, Luce a Cavallo received Green Integer’s Gertrude Stein Book Award for 2005. Her unpublished work includes a project using the daily newspaper as a means to create a common palette of words.
Maria do Carmo Zanini is the author of RPGs (role-playing games) and a translator.
Odile Cisneros has translated poetry by Jaroslav Seifert, Vetezslav Nezval, Rodrigo Rey Rosa, Régis Bonvicino, and Haroldo de Campos among others. She is an associated professor of Arts, Modern Languages and Cultural Studies at the University of Alberta, Edmonton, Canada.